Receber Spike Lee no Rio é afirmar que o cinema também é trincheira de resistência
Publicado em 2025-10-14
Por Dani Balbi

No próximo dia 19 de outubro, terei a imensa honra de receber, no Estado do Rio de Janeiro, o cineasta Spike Lee — um dos maiores artistas vivos — e entregar a ele, pessoalmente, o Título de Cidadão Fluminense, condecoração que propus e foi aprovada pela minha mandata na Assembleia Legislativa.
Mais do que uma homenagem protocolar, este é um gesto político e simbólico, que reconhece a relevância de um artista cuja obra revolucionou a linguagem do cinema e ampliou a consciência crítica sobre as estruturas de poder, o racismo e a desigualdade em todo o mundo.
Spike Lee construiu uma filmografia marcada pela ousadia estética e pelo compromisso ético. Em obras como Faça a Coisa Certa, Malcolm X, Febre da Selva, Infiltrado na Klan e tantas outras, ele transformou a tela em espaço de denúncia, afirmação e esperança. Sua arte expõe as contradições da sociedade norte-americana, mas também ecoa na experiência da negritude brasileira, que há séculos enfrenta o peso do racismo estrutural e da exclusão social.
Recebê-lo aqui, em solo fluminense, é reconhecer que as lutas travadas no Brooklyn dialogam profundamente com as lutas que atravessam as favelas do Rio de Janeiro. Spike Lee sempre enxergou o Brasil — e especialmente o Rio — como território de resistência negra. Ele visitou nossas comunidades, filmou conosco e valorizou o protagonismo de artistas e criadores negros brasileiros que, assim como ele, rompem barreiras e reconstroem imaginários.
Neste momento em que o cinema nacional reafirma sua força e projeção internacional — coroado pela histórica conquista do primeiro Oscar brasileiro com o filme Ainda Estou Aqui — a presença de Spike Lee entre nós simboliza um diálogo entre conquistas e resistências.
Depois de anos de desmonte das políticas culturais e de perseguição à arte sob governos inimigos da cultura, vivemos uma retomada que é também um ato de reconstrução simbólica. Spike Lee nos lembra que o cinema vai muito além do entretenimento: é um instrumento de transformação social, de afirmação identitária e de emancipação coletiva.
Por isso, fiz tanta questão de trazê-lo ao Rio de Janeiro — para entregar-lhe este título e promover o encontro dele com os futuros cineastas do nosso estado.
Quando propus o Título de Cidadão Fluminense, quis reconhecer não apenas o artista, mas o homem que faz de sua obra um espelho das nossas dores e um horizonte das nossas possibilidades. Spike Lee nos ensina que contar nossas histórias com verdade, dignidade e beleza é também uma forma de fazer justiça.
Trazê-lo ao Brasil não é um evento qualquer: é um reencontro entre a arte e a luta, entre o cinema e o povo, entre o Rio e o mundo.
E é com imenso orgulho que realizo essa homenagem, reafirmando o meu compromisso com uma cultura que liberta, que questiona e que, sobretudo, está — e sempre estará — do lado certo da história.